segunda-feira, 9 de junho de 2008

Mais um sapato na estrada...

Era só um sapato solitário na rodovia, mas chamou tanto minha atenção...
Eu estava no ônibus, voltando do estágio para casa e da janela o avistei. Era preto, um modelo masculino, e as dobras marcadas no couro denunciavam que estava um pouco surrado. Parecia confortável. Provavelmente já havia adquirido o formato do pé que o calçava, com freqüência pelo visto.

“Mas o que um pé de sapato estaria fazendo numa rodovia tão movimentada?”, pensei.

Imaginei o dono: Um jovem apressado, correndo para atravessar a “040” (por que as pessoas ainda insistem em não atravessar na passarela?) e, por causa da correria, o sapato acaba lhe escapulindo dos pés. Não podia voltar para buscar... era uma BR movimentada!

“Ou... Talvez a história seja mais trágica”, temi.

Não tive tempo de imaginar mais nada. O ônibus avançou um pouco mais no trânsito, que já começava a se complicar, e não vi mais o sapato. Vi um carro de reportagem.

Não tinha mais dúvidas. Logo avistei uma lona preta na frente da viatura policial. Havia sido um atropelamento. O dono daquele sapato nunca mais voltaria a usá-lo.

O ônibus se aproximou lentamente do local (o trânsito estava cada estava mais complicado). Preferi desviar o olhar. Era minha forma de respeito. Infelizmente fui uma exceção. Os demais passageiros se amontoavam para saciar suas curiosidades mórbidas.

Entretanto, procurei pelo motorista. Imagino como é traumatizante se envolver num acidente, principalmente com vítima fatal. “Como ele ou ela teria reagido? É um momento tão difícil!”, pensei.

Foi então que vi uma camionhete roxa, com a frente bastante amassada e o pára-brisa em pedaços. Parece que foi um impacto forte. Não é à toa que o sapato que despertou minha atenção estivesse a tantos metros dali.

Não vi o(a) motorista em prantos como imaginei. Na verdade nem sei se o(a) vi. Mas novamente algo me chamou a atenção: um homem (que poderia ou não ser o motorista) conversava com um dos policiais de forma tão informal que me espantou. Deviam estar falando algo engraçado, pois pareciam rir.
Mas... Como assim riam?????? Alguém acabava de perder a vida!!!! O corpo ainda estava no chão!!!!!!!!! E eles riam???

O ônibus então acelerou e a cena ficou para trás. Aqueles poucos minutos foram suficientes para me fazerem refletir durante todo o trajeto até em casa.

“A gente fica com tanta pressa para chegar em casa e acaba não chegando. Não vale a pena. E a família agora? Como fica?”, comentou a senhora sentada ao meu lado.

Aquela frase foi avassaladora. Instantaneamente pensei na história daquele homem... E sua família!? Como estaria?
Será que ainda o aguardavam retornar de mais um dia de trabalho? E, com aquele carro de reportagem lá atrás de plantão, provavelmente o grande público ficou sabendo da tragédia antes mesmo dos familiares.

Meus pensamentos voltaram ao sapato. Como deve ter sido a manhã daquele homem, calçando tranquilamente seu calçado? Talvez ele estivesse procurando um emprego, e, por isso, naquele dia tivesse calçado e lustrado de forma especial seu par de sapatos mais apresentável.

Ou, então, teve uma manhã apressada como todas as outras, calçou seus sapatos prediletos (por isso estivessem tão usados) e partido para seu trabalho.

Nunca vou saber quem era aquele homem. Mas sei que tinha uma história. Sua família passará momentos difíceis. Talvez hoje seja o mais difícil de suas vidas. Não sei se ele tinha filhos, esposa, pais. Mas com certeza alguém o amava.

Isso poderia ter sido com qualquer um de nós. O liame entre a vida e a morte é tão tênue. Estamos hoje aqui. Amanhã não estamos mais. Estou escrevendo agora, mas em questão de momento eu possa não exista mais. Pelo menos não da forma material que o mundo considera.

Sábias são as pessoas que buscam aproveitar ao máximo o tempo que têm. E quando digo aproveitar, não me refiro a fazer o que não fariam normalmente, afinal, se não fariam é porque provavelmente não lhes traria bem. Refiro-me a tentar viver a vida da forma que a gente sempre sonhou. Da forma que a gente sabe que faz bem, que faz feliz a nós e aos que nos cercam. Da forma que a gente sempre quis, mas que talvez faltasse coragem, ou um pouquinho de esforço para conseguir.

“Quanto tempo você tem?
Será que você sabe quanto dura a vida?
Não da pra dizer, ninguém saberá...
Quanto tempo você tem?
Tem que aproveitar o dom, e fazer o bem.”

Enquanto há tempo...

Um comentário:

Daniel d'Assis disse...

Que bom que você voltou a escrever... escreva... escreva muito... em seu coração há a essência dos anjos dos céu. Você tem muito o que falar para essa triste humanidade, que tanto precisa de palavras de otimismo.