sexta-feira, 7 de março de 2008

O churrasco - Um conto real

Desenho feito por Vinícius


Vinícius é um garoto da cidade de Porto Alegre. Tem 1,83 metro de altura, magro e bonito, mas está há dois meses em internação domiciliar por determinação de seu psicanalista. Ele é um garoto superdotado, descrito como “extraordinariamente inteligente” e “extremamente sensível”. Filho único do casamento de um professor universitário que foi secretário de Cultura do Rio Grande do Sul com uma psicanalista, teve todo o estímulo para desenvolver inteligência e sensibilidade. Alfabetizou-se em francês quando a mãe fazia doutorado em Paris com a historiadora e psicanalista Elizabeth Roudinesco, biógrafa de Jacques Lacan. Vinícius aprendeu a tocar bateria aos 4 anos, depois piano e violão. Na porta do quarto grudava um cartaz: “Gravando”

Planejava um programa que há algum tempo vinha sendo adiado devido ao sucesso de suas novas canções, tocadas em festas eletrônicas de Londres.

- Quero fazer um churrasco para os amigos, mãe. Mas como estou interessado numa “guria”, prefiro não ter você nem o meu pai por perto.
- Que bom que você está se enturmando meu filho! Sabe como isso vai te fazer bem! Pode fazer aqui em casa, sim.
- Valeu mãe. Vou ao supermercado comprar a carne, então. Mas, aproveitando o assunto, preciso de dinheiro para pagar o tratamento de pele na clínica. Como vou sair já faço as duas coisas.
- Ah sim. Pode pegar na minha carteira. E, sobre o ingresso para o show da semana que vem que me pediu ontem, seu pai vai comprá-lo amanhã.
- Ok. Obrigado. Até mais.

26 de junho de 2006 – A mãe arrumava a mesa para o churrasco Vinícius já estava há algum tempo no computador. “Esse menino gosta mesmo de internet.”, pensou a mãe.
Por volta de 11h15, os pais saíram do apartamento que ocupa três andares de um prédio residencial, num bairro de classe média. Por volta das 12 horas Vinícius ligou para o celular da mãe:

- Mãe, meus amigos já chegaram. Está “tudo bem” aqui. Não precisa se preocupar. Estou cuidando de tudo.
- Aproveita bastante então meu querido. Ah meu filho, eu e seu pai estamos passando aí só para deixar o violão que pegamos no conserto, ta?!
- Ta, mas não precisam nem subir. Eu busco na portaria.

Às 13 horas, os pais deixaram o violão na portaria do prédio. Vinícius foi buscá-lo e voltou para o computador. Queria transmitir o churrasco pela internet.
Aproveitou para gravar algumas composições suas. Guardou o cd num envelope vermelho da Faber-Castell e colocou sobre a mesa do computador. Queria que os pais ouvissem. Havia muito material sobre Vinícius no computador: conversas do MSN, publicações de seu blog, todas as suas músicas... sentiu vontade de que os pais lessem tudo aquilo para compreendê-lo. Então decidiu escrever-lhes e colou a carta no lado externo da porta do banheiro.

Vinícius se dividia entre os preparativos, como a manipulação da churrasqueira, e as conversas virtuais na internet.
Às 14h28, ele postou num grupo de discussão, em inglês: “Estou fazendo o método CO. Neste momento e tenho duas grelhas queimando. Aqui está a foto. Alguém pode me dizer se há carvão suficiente?
E às 14h42, alguém diz: “Como você está se virando? Espero que você consiga o que quer.”
Dois minutos depois, Vinícius escreve: “Ah, meu Deus. Eu não consigo suportar o calor, está tremendamente quente. O que eu devo vestir para se tornar mais suportável? Eu tomei uma ducha antes, mas não adiantou nada. O que eu posso fazer?
“Retire as roupas, encharque em algum pano e se enrole nele para suportar o calor”, orientou um bombeiro aposentado de Chicago que estava no grupo de discussão.
Às 15h02 Vinícius escreveu seu último “post” e deixou o computador gravando. Foi para o banheiro onde estavam as churrasqueias, olhou para o cartaz há pouco pregado na porta que dizia: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono”. Então ligou o aparelho de som e disse para si mesmo “é bom morrer com música alegre” – e entrou.
Três horas depois do último contato com Vinícios vivo, os pais leram a carta deixada na porta do banheiro:

“Para garantir uma margem segura de tempo, inventei a história do churrasco, pedindo para que vocês saíssem de casa durante todo o dia. (...) Essa medida fez com que o churrasco de hoje parecesse um grande progresso no que tange a minha condição psíquica, quando na verdade era justamente o contrário”.
“Não houve churrasco, não havia colegas nem guria que eu goste. Peço desculpas pela maneira trapaceira com que arranjei meu suicídio. Peço desculpas também pela maneira assustadora com que a notícia chegará a vocês. Foi a maneira que encontrei de garantir um dia inteiro sozinho a fim de conduzir o procedimento da maneira mais segura”.
“O método que escolhi foi intoxicação por monóxido de carbono, é indolor e preserva o corpo intacto, mas demora, e se a pessoa é resgatada antes de morrer fica com graves lesões cerebrais e torna-se um vegetal”.
“Se conseguirem enxergar além da ótica da paternidade, verão que nada de especial aconteceu no dia de hoje. O mundo continua igual. (...) Espero que não tenha ficado nada pendente”.

Escrevi esse conto baseado numa reportagem da Revista Época (11/02/2008/Edição nº 508), intitulada “Suicídio.com”, abordando o problema de sites que incentivam adolescentes, como o nosso personagem real, a se matar, ajudando-os, inclusive, a escolher o método.
É duro acreditar que existem seres humanos fazendo isso. Pensando bem, alguém que incentiva esse tipo de coisa não é nada "humano". Como diz Paiva Netto,"falta humanidade à humanidade." Onde é que vamos parar?

Quem quiser conferir a matéria, pode acessar o site da revista: